Por: José Filipe Rodrigues
Sabes, meu amigo,
faltou-me sempre o tempo para regressar
e se muitas vez voltei ao mesmo lugar
não foi para matar saudades,
levou-me a vontade de aprender histórias de futuro
para poder contar
a todas as pessoas boas,
as que entendem as nossas linguagens
em diferentes paragens.
Houve um dia
em que ouvi a Júlia,
a minha Mãe Negra, a chorar
porque os meninos iam para o Puto
para não regressar.
Nas suas lágrima vi luto.
Hoje digo-lhe, sem mentir,
que estou a residir
em todos os lugares de todos os continentes
onde vivem pessoas decentes e inteligentes,
incapazes de serem subservientes,
enojadas pela proliferação de trintadinheiros
instalados em dourados poleiros.
Também me lembro
quando, na Emissora Oficial de Angola,
nos tempos de antena dos diferentes partidos,
pediam ao meu pai para ficar,
porque tratou sempre os “pretos” com dignidade
e porque ele era necessário para o desenvolvimento dessa terra.
Senti um misto de melancolia, de orgulho e de felicidade.
Eu não sabia que eles mentiam,
estavam a preparar-se para uma outra guerra,
entre irmãos,
com uma ambição indecente,
como se em Angola não houvesse lugar para toda a gente.
O meu pai ensinou-me comportamentos e gestos
onde não havia discriminações
entre “brancos, amarelos, encarnados ou pretos”,
nem as pessoas eram catalogadas por regiões.
O meu pai acreditava só nas pessoas coerentes,
capazes de olhar olhos nos olhos,
e ensinou-me a desvalorizar gente
incapaz de olhar de frente
ou com muitos trejeitos, a falar e a gesticular,
só para tentar disfarçar
a impossibilidade de ser decente.
É esse o principal motivo
porque eu tenho a vocação para ser mestiço
e a ambição de habitar o infinito,
onde todas as pessoas têm deveres e direitos iguais,
e são autênticas, simples, normais.
A vida ensinou-me as definições de simplicidade,
de justiça, sinceridade
e, sobretudo, de lealdade e liberdade
para os diálogos próximos e distantes
que desaguam em simpatias, empatias ou antipatias
autênticas, dinâmicas, construtivas.
Até nas minhas situações depressivas
foi sempre a alegria
quem alumiou e guiou o meu dia-a-dia.
Os que tentaram matar-me,
com um comportamento obsceno,
já morreram todos,
vítimas do seu próprio veneno.
Eu gostei sempre de povoar a minha harmonia
e os meus desejos e esperanças
de paisagens com muitas flores e crianças,
que desafiam a minha imaginação
e proporcionam-me o dom da levitação
e a capacidade de voar, alto, distante,
com a minha gente.
Um dia,
quando eu voltar,
desejo que me leves a ver o mar
que aproxima as pessoas
e faz as crianças a sorrir,
com todas traquinices próprias da infância.
Não me leves ao Cemitério da Vingança
para ver as campas do ódio e da ganância,
da injustiça, do nepotismo e da prepotência
porque, para isso, falta-me o tempo e a paciência.
Quando eu voltar, fala-me da tua felicidade
de viveres finalmente em liberdade,
depois de terem sido destronados
os trintadinheiros, os mascarados
em donos de todos os impérios e ciências,
os que pretendem impor os seus ideais e vontades
em todas as consciências.
Depois regressarei à minha viagem
que só terá fim
quando não tiverem valor as memórias
das mais perfeitas vitórias
que guardo dentro de mim,
porque o altruísmo, a harmonia,
a solidariedade, a alegria,
a liberdade e a fraternidade
perderam o estatuto de raridade.