sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Ela espera por vós!

Um dia,com ou sem o pai, a minha terra estará
à vossa espera.
Nessa altura,
mesmo sem saberem
o sítio exacto onde deixei
o cordão umbilical,
vão respirar o silêncio,
beber o infinito
e dormir embalados pela certeza
de que, afinal,
o pai tinha razão
quando chorava de saudade.
Terão um olho
no canto da lágrima.
E a terra quente subirá
para beijar essa lágrima.
Nascerá então  uma flor.
Uma flor sem nome
(talvez se chame Luana),
uma daqueles flores
que só alguns vêem,
que só alguns sentem,
que só alguns amam.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Quando eu regressar

Por: José Filipe Rodrigues


Sabes, meu amigo,

faltou-me sempre o tempo para regressar

e se muitas vez voltei ao mesmo lugar

não foi para matar saudades,

levou-me a vontade de aprender histórias de futuro

para poder contar

a todas as pessoas boas,

as que entendem as nossas linguagens

em diferentes paragens.

Houve um dia

em que ouvi a Júlia,

a minha Mãe Negra, a chorar

porque os meninos iam para o Puto

para não regressar.

Nas suas lágrima vi luto.

Hoje digo-lhe, sem mentir,

que estou a residir

em todos os lugares de todos os continentes

onde vivem pessoas decentes e inteligentes,

incapazes de serem subservientes,

enojadas pela proliferação de trintadinheiros

instalados em dourados poleiros.

Também me lembro

quando, na Emissora Oficial de Angola,

nos tempos de antena dos diferentes partidos,

pediam ao meu pai para ficar,

porque tratou sempre  os “pretos” com dignidade

e porque ele era necessário para o desenvolvimento dessa terra.

Senti um misto de melancolia, de orgulho e de felicidade.

Eu não sabia que eles mentiam,

estavam a preparar-se para uma outra guerra,

entre irmãos,

com uma ambição indecente,

como se em Angola não houvesse lugar para toda a gente.

O meu pai ensinou-me comportamentos e gestos

onde não havia discriminações

entre “brancos, amarelos, encarnados ou pretos”,

nem as pessoas eram catalogadas por regiões.

O meu pai acreditava só nas pessoas coerentes,

capazes de olhar olhos nos olhos,

e ensinou-me a desvalorizar gente

incapaz de olhar de frente

ou com muitos trejeitos, a falar e a  gesticular,

só para tentar disfarçar

a impossibilidade de ser decente.

É esse o principal motivo

porque eu tenho a vocação para ser mestiço

e a ambição de habitar o infinito,

onde todas as pessoas têm deveres e direitos iguais,

e são autênticas, simples, normais.

A vida ensinou-me as definições de simplicidade,

de justiça, sinceridade

e, sobretudo, de lealdade e liberdade

para os diálogos próximos e distantes

que desaguam em simpatias, empatias ou antipatias

autênticas, dinâmicas, construtivas.

Até nas minhas situações depressivas

foi sempre a alegria

quem alumiou e guiou o meu dia-a-dia.

Os que tentaram matar-me,

com um comportamento obsceno,

já morreram todos,

vítimas do seu próprio veneno.

Eu  gostei sempre de povoar a minha harmonia

e os meus desejos e esperanças

de paisagens com muitas flores e crianças,

que desafiam a minha imaginação

e proporcionam-me o dom da levitação

e a capacidade de voar, alto, distante,

com a minha gente.

Um dia,

quando eu voltar,

desejo que me leves a ver o mar

que aproxima as pessoas

e faz as crianças a sorrir,

com todas traquinices próprias da infância.

Não me leves ao Cemitério da Vingança

para ver as campas do ódio e da ganância,

da injustiça, do nepotismo e da prepotência

porque, para isso,  falta-me o tempo e a paciência.

Quando eu voltar, fala-me da tua felicidade

de viveres finalmente em liberdade,

depois de terem sido destronados

os trintadinheiros, os mascarados

em donos de todos os impérios e ciências,

os que pretendem impor os seus ideais e vontades

em todas as consciências.

Depois regressarei à minha viagem

que só terá fim

quando não tiverem valor as memórias

das mais perfeitas vitórias

que guardo dentro de mim,

porque o altruísmo, a harmonia,

a solidariedade, a alegria,

a liberdade e a fraternidade

perderam o estatuto de raridade.

domingo, 13 de março de 2011

Onde estão? Não estão... nem existem!

Não sei se alguma vezpoderei levar os meus filhos, e os filhos dos meus filhos, aos recantos e esquinas da minha cidade,
dando-lhes a respiraro horizonte que cheira e sabe a infinito.
Sem palavras explicaria tudo. Explicaria porque, nas madrugadas embevecidas pelo silêncio da pequenez respiro o choro de uma dor crónica.
Um dia, com ou sem o pai, com ou sem o avô, eles acabarão por conhecera minha (e deles) terra.
E nessa altura, mesmo sem saberemo sítio exacto onde deixei o cordão umbilical,
vão respirar o silêncio, beber o infinito e dormir embalados pela certeza de que o pai tinha razão
quando chorava de saudade.
Terão, nessa altura, uma lágrima no canto do olho.
Uma lágrima que ao cair na terra quente de Angola
fará nascer uma flor.
Uma flor sem nome,
uma daqueles flores que só alguns vêem,
que só alguns sentem.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Monangambé do MPLA

Aquela roça grande
continua a não ter chuva
é o suor de outros rostos
que rega as plantações;

Aquela roça grande
ainda tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas de outro sangue
feitas seiva.

O café vai ser torrado,
pisado, torturado,
continua a ser negro,
negro da cor do contratado.

Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que já não cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:
Quem se levanta cedo?
Quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?

Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta kwanzas
"porrada se refilares"?

Quem?
Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer?

- Quem?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas, carros, senhoras
e cabeças de outros pretos
para os motores?

Quem faz o MPLA prosperar,
ter barriga grande
- ter dinheiro?

- Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:

- "Monangambééé..."

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo
e esquecer diluído
nas minhas bebedeiras.

Nota: Poema original de António Jacinto. Monangambé (O contratado) eram angolanos negros contratados para trabalhar nas roças dos brancos, na era colonial. Hoje são angolanos negros contratados para trabalhar nas roças dos negros donos do poder.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Só alguns sentem e poucos compreendem

Tenho, todos os dias, uma lágrima no canto do olho. Essa lágrima perde-se no deserto português. Se fosse na terra quente de Angola faria nascer uma flor. Uma flor sem nome, uma daqueles flores que só alguns vêem, que só alguns sentem.

Escravidão com pirão na barriga

Embora,
por defeito de fabrico,
continue a pensar
(enquanto me deixam)
que só é derrotado
quem deixa de lutar,
descobri que para lutar
é preciso estar vivo.
Não tenho conseguido
dobrar as esquinas da vida
por não querer entrar
na vida pelas esquinas.
Não tenho conseguido
aprender a viver sem comer.
Além disso,
ao que parece,
o meu silêncio
poderá ajudar
a pôr comida no prato.
Estou a ser derrotado
pela barriga.
Entre a liberdade
de barriga vazia
e a escravidão
com pirão na barriga
a escolha é simples.