sábado, 27 de dezembro de 2008

Será por isso que te amo?

Não sei se sonho
ou se me limito
a olhar o passado
pelos recantos do futuro.
Mas sei que sonho
no que não me limito
a olhar o futuro
pelos recantos do passado.
Será por isso
que te amo tanto, Angola?

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Sem direito a ter nascido

Nas esquinas
em que dormem
acordados irmãos,
vejo a nostalgia
dos que morrem
sem direito a nascer.
Estão em todos os lados,
mas nenhum dos lados
lhes dá a esquina
que os ajude a dobrar
os cantos sinuosos
de uma vida perdida
mesmo antes de olharem
um sol que, dizem,
quando nasce
é para todos.
Para todos
os que tiveram a sorte
de um dia terem
nascido.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A saudade atira a matar

… pouco tempo depois
Angola entrou
em guerra.
Fomos uns
para cada lado.
Meses depois,
vi pela última vez
o Samuel.
Estava fardado
e de metralhadora
na mão.
Mais tarde,
anos talvez,
disseram-me que o Sam
tinha morrido
em combate.
Porque carga de chuva
transformaram
o Sam num militar?
Porque carga de chuva
Angola teve de perder
um dos seus mais
válidos filhos?
Porque carga de chuva
mataram
o Samuel Pedro
...Chivukuvuku?

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Uma lágrima nos olhos do canto

Um dia,
com ou sem o pai,
com ou sem o avô,
com ou sem
apenas,
vereis que Ela
vos dará a respirar
o silêncio
e a beber
o infinito.
Vereis que Ela
também terá
uma lágrima
nos olhos do canto.
Vereis que Dela
nascerá uma flor
que terá o nome
de cada um de vocês.
Flores que só
alguns vêem,
que só alguns
sentem...

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Natal de barriga vazia

Não fosse,
mas afinal é,
o triste facto
de 33 anos depois
a maioria do meu povo
continuar a passar fome,
continuar a ser gerada
com fome,
continuar a nascer
com fome
e a morrer
pouco depois
com fome
... se calhar o Natal
faria algum sentido.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Parabéns Luana, meu amor

Palavras? Que sei eu sobre as melhores palavras para dizer o que sinto? Sei que nada sei. Por isso, o melhor é apenas dizer: Amo-te Luana.

sábado, 8 de novembro de 2008

Memória

Na linguagem cifrada do vento
descubro uma metáfora amarelo sol
um estranho e onírico sopro
num feixe de arco-íris eterno

Espreitam olhos de maldade
escondem brinquedos de fingida simpatia,
mas as recordações filtram o passado
e servem o equilíbrio instável do presente

Linda boneca de tez rosada
deita-se no perfume do tempo
que constrói transparentes certezas
num mar urgente de cetim

Quero olhar a história
matar a vergonha consentida
e ver-te brincar na memória
retocada por desejos fortuitos

Ao olhar-te adormeço para a eternidade
e sorrio

Salomé Castro in Ubi Veritas

Obrigado JotaCê Carranca

Mais um dos muitos excelentes contributos de JotaCê Carranca, um “cidadão do mundo que gosta de dar asas às palavras que diz em silêncio”. A Lusofonia agradece. Os mais de 220 milhões de cidadãos que em todo o mundo se entendem em português, também.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Mamãe África

Tens o sangue derramado
sobre os cinco continentes
e os teus filhos naufragados
noutras terras noutras gentes

Nos teus gritos há raízes
a contar histórias ao mar
velhas feridas cicatrizes
com batuques a chamar

Mamãe África
Mamãe África
Mamãe África
Oh, Mamãe África
Vem pegar-me ao colo
vem chamar-me filho
vem dizer-me quem sou

Tuas lágrimas são rios
que te nascem nas entranhas
e o futuro é um desafio
que eu aposto que tu ganhas

Este canto de que eu faço
o caminho de regresso
é a voz do meu abraço
aos irmãos que eu não conheço

Mamãe África
Mamãe África
Mamãe África
Oh, Mamãe África
Vem pegar-me ao colo
vem chamar-me filho
vem dizer-me quem sou.

Dany Silva/Cuca

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Deixem-me chorar

Deixem-me chorar
lágrimas de esquina
que dobram o coração,
sonhos de madrugada
que amamentam
as noites do luar.
Deixem-me vaguear
nos córregos do cérebro
que bloqueiam a poesia,
que travam a sensatez.
Dobro a vida das esquinas
e encontro a ponte
que não tem margens.
Deixem-me andar por aí
como quem sabe o que faz,
mesmo quando tropeço
no sonho de apenas querer
chorar como qualquer um.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

ANGOLA ("Um dia, com toda a certeza")

Aqui em baixo, no poema “Um dia, talvez...” está publicado o seguinte “comentário”:

Esquece as facadas
De uma guerra animal,
Ó dores danadas
De sangue ainda a correr, afinal.
Ó Angola de sangue a correr,
Em ti todo o apego
De um dia te ver
Com paz e sossego
Em ti sempre acredito
Nesta vida de mistério,
Até mesmo que o meu partido
Seja o cemitério.
Não vou fugir para terras estranhas
Angola do meu nascer,
De tuas entranhas
Nasci também para viver.
Meu sangue é teu eternamente,
As ruas poderá banhar
Na fecundidade de tua mente,
Para tua paz ganhar.

Orlando Castro, in Algemas da Minha Traição (1975)

Vejam também: http://poucaletra.blogspot.com/2008/10/meu-tormento.html

(Obrigado Filhota. É isso aí! Obrigado por me ajudares a ser feliz)

sábado, 11 de outubro de 2008

É isso aí, filhota!

Um dia lá irás
respirar o silêncio,
beber o infinito,
e chorar a saudade.
Não te importes
com a lágrima
que inundará
a terra quente
de Angola.
Nesse dia,
entre o silêncio,
o infinito
e a saudade
nascerá uma flor.
Que flor?
Perguntarão alguns.
Não te preocupes
porque essa será
uma flor tão rara
que só tu verás,
que só tu sentirás.

sábado, 27 de setembro de 2008

Entre dias sem pão e pão sem dias

Entre as ruas
do Bairro de Benfica
da então Nova Lisboa
e a última etapa
de um sonho,
Aprendi que importantes
são todos aqueles
(e serão certamente alguns)
que nos estendem a mão
quando tropeçamos
numa pedra.
Mas também aprendi
que mais importantes
são todos aqueles
(e serão certamente poucos)
que tiram a pedra
antes de passarmos
e que dificilmente
saberemos quem são.
Aprendi que o possível
se faz todos os dias.
Infelizmente muitos de nós
(já para não falar
de muitos dos outros)
nada aprenderam.
Entre dias sem pão
e pão sem dias,
continuo a tentar ser
o que sou e não
o que tantos outros
querem que eu seja.

(Obrigado Eugénio Costa Almeida)

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Lá de longe

Lá de longe
onde um outro sol
castiga mais,
chegam novas
do vento
que não passa.
Falam-me de alguém
que morre ao olhar
o infinito da dor,
que chora ao ver
o horizonte escuro
dos nossos meninos.
Não vão para longe,
nem sequer vão.
Ficam. Apenas ficam
porque lá longe
há um outro sol
que castiga mais.

domingo, 14 de setembro de 2008

Um dia, talvez...

Um dia,
com ou sem o pai,
com ou sem o avô,
eles acabarão
por conhecer a minha
(e também deles)
terra.
E nessa altura,
mesmo sem saberem
o sítio exacto
onde deixei
o cordão umbilical,
vão respirar o silêncio,
beber o infinito
e dormir embalados
pela certeza
de que, afinal,
o pai, o avô,
tinha razão
quando chorava
de saudade.
Terão,
certamente nessa altura,
uma lágrima
no canto do olho.
Uma lágrima que ao cair
na terra quente
de Angola fará
nascer uma flor.
Uma flor sem nome,
uma daqueles flores
que só alguns vêem,
que só alguns sentem.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Obrigado meu velho, meu irmão, meu amigo

Importantes são aqueles
(e serão certamente alguns)
que me estendem a mão
quando tropeço
nas pedras da vida.
Mais importantes são aqueles
(e serão certamente poucos)
que tiram a pedra
antes de eu passar
e que dificilmente
saberei quem são.

(Homenagem a um velho – já vem das terras do fim do mundo – amigo que tem passado a vida a estender-me a mão e a tirar as pedras do meu caminho. De seu nome: Fernando Frade)

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Um dia teremos...

Onde andam os velhos amigos?
Uns morreram na guerra
outros morrem na paz.
Uns partem
outros “matam-me”
com acusações
que dão ao acessório
o papel de essencial.
Apetece-me desistir.
Está tudo virado do avesso.
Já não precisam de ser
os inimigos a atacar.
Os supostos amigos
encarregam-se disso.
E se assim é,
não adianta escrever
o que quer que seja.
Adiantará alguma coisa
ter já escrito que fulano
é para mim um herói
para ter de dizer
logo a seguir
que esse mesmo fulano
resolveu dar-me um tiro?
Mas não desisto
Porque um dia teremos...

(Homenagem ao meu Velho e querido amigo Emanuel Lopes)

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Mulher, Mãe, África

"Angolana segue em frente
o teu caminho é só um.
Esse caminho é difícil
mas traz a felicidade.
Esse caminho é difícil
mas traz a liberdade.
Se você é branca isso
não interessa a ninguém.
Se você é mulata
isso não interessa a ninguém.
Se você é negra isso
não interessa a ninguém.
Mas o que interessa é a sua vontade
de fazer uma Angola melhor
uma Angola verdadeiramente livre,
uma Angola independente."

… como diria Teta Lando

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Angola vai mudar? Está nas nossas mãos

Angola vai a votos
no dia 5 de Setembro.
Esperemos que a democracia
vença e que,
desta vez,
o Povo fique a ganhar.
Não será fácil,
mas é possível.
Está nas mãos
dos angolanos
mostrar que são
diferentes,
para melhor.
Para muito melhor.

http://www.youtube.com/watch?v=xKpMrzU8y3Q

domingo, 20 de julho de 2008

Sonho de uma noite de Verão
na Filipa de Vilhena, no Porto

A Oficina de Expressão Dramática da Escola Secundária Filipa de Vilhena, do Porto (Portugal), apresentou ontem, e repete hoje pelas 20,30 horas nas instalações da Escola, a peça “Sonho de uma noite de Verão”, de William Shakespeare. Integram o elenco alunos e ex-alunos da Filipa de Vilhena, sendo os figurinos da autoria dos alunos do 2º ano do Curso Profissional de Design de Moda da Escola Artistica e Profissional Árvore.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

“Céu Negro” na FNAC do Porto

Depois do lançamento em Lisboa, na FNAC do Colombo, o segundo romance de João Pedro Martins “Céu Negro” vai ser apresentado no próximo dia 12, pelas 18.30h., na FNAC do NorteShopping, na cidade do Porto, com a presença do autor do prefácio, José Eduardo Agualusa.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Que belo é amar

Que belo é amar
quando se ama a dois,
triste é acabar
e sofrer o que vem depois.

Mesmo sem alarde
ele toca toda a gente,
é esse fogo que arde
e essa dor que não se sente.

Fecunda a loucura
no horizonte de um beijo,
toda a gente o procura
como único desejo.

É a fonte da vida,
da morte e do além,
Em sua guarida
somos sempre alguém.

Encontramo-lo no cemitério
onde o ódio jaz,
É sempre um belo mistério
que nos ama e dá paz.

Renasce no dia a dia
e é incólume ao mal,
Por renascer em cada poesia
é eterno, é imortal.

domingo, 29 de junho de 2008

Não são flores

Não há flor que cante
toda a dor que sinto,
não há fantoche falante
que diga que minto.

É a verdade do nosso sorriso
e as lágrimas do nosso olhar
que ao longe diviso
irem encher o mar.

As flores não são flores
e os cravos não são de sol,
nesta vida só há dores
e flores murchas sem escol.

Na sombra da minha sepultura
sinto que não minto, mas sinto
a morte que nos beija e cura
a ferida que por aqui pinto.

Não são flores de verde pinho
nem sequer cravos encarnados,
são os espinhos do meu caminho
e as cicatrizes de filhos sacrificados.

Mukanda (sempre igual) de saudade e… dor

Como é que se explica a quem nos ama e que não conhece a nossa Terra, a razão porque, depois de dezenas de anos fora dela, preciso dela todos os dias, sinto-a todos os dias, amo-a todos os dias, chamo-a para junto de mim todos os dias? Não se explica.

Por alguma razão, essa terra não se define – sente-se. Mas será possível aos meus filhos sentirem algo que não conhecem na alma? No coração conhecem… de tanto ouvirem o pai falar da melhor terra do mundo.

Este é, para mim, um exemplo que contraria o provérbio “longe da vista, longe do coração”. De olhos fechados vejo-a e, por isso, ela não está longe do coração. Ela é o meu próprio coração, por muito que isso custe a quem não compreende que sentir é a melhor forma de ser digno.

Não sei se alguma vez poderei levar os meus filhos aos recantos e esquinas da minha cidade, de modo a deixá-los respirar o horizonte que cheira a infinito. Creio que seria a melhor forma de, sem palavras, explicar tudo. Explicar porque, nas madrugadas embevecidas pelo silêncio da pequenez portuguesa, respiro o choro de uma dor crónica.

Um dia, com ou sem o pai, eles acabarão por conhecer a minha (e também deles) terra. E nessa altura, mesmo sem saberem o sítio exacto onde deixei o cordão umbilical, vão respirar o silêncio, beber o infinito e dormir embalados pela certeza de que, afinal, o pai tinha razão quando chorava de saudade.

Terão, certamente nessa altura, uma lágrima no canto do olho. Uma lágrima que ao cair na terra quente fará nascer uma flor. Uma flor sem nome (que eu gostava que se chamasse Luana), uma daqueles flores que só alguns vêem, que só alguns sentem, que só alguns amam.

domingo, 22 de junho de 2008

Quem vem lá? (II)

Quem vem lá
Conheça a nossa cultura,
Por aqui há
Mortos em sepultura.

sábado, 21 de junho de 2008

Quem vem lá?

Quem vem lá
Que venha para lutar.
Por aqui há
Muitos traidores para julgar.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Última sentença (talvez)

É talvez na próxima recta
Que encontrarás a tua verdade,
Chegará vibrante como uma seta
Dirigida ao centro da saudade

Não, nunca terá nenhum desvio
Nesse percurso de castigo,
É como a mensagem que te envio
Meu bom mas hesitante amigo.

É como o pensamento que inquieta
O ancestral povo dito lusitano,
Como disse aquele nosso poeta
No seu grito de dor humano:

“Mas estorvou o inevitável tiro
A mão divina, poderosa e recta…”
Era u grito de triste suspiro
Querendo morrer mas chegar à meta.

Mas a mão divina não é suficiente
Para o debelar da funeste doença.
Tem de ser a luta da nossa gente
A dar a última e única sentença.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Para mim foste e és a maior

Em teu horizonte de granito
Via-se algo de muito estranho,
Tinhas esse olhar de infinito
Que transcende o teu tamanho.

O coração parece desfeito
Por uma dor de léguas,
Nesse sarcástico e dorido peito
Não havia lugar a tréguas.

A esperança era diferente
Nesse nascimento sem parto,
Tinhas uma dor sem presente
Recheada de sofrimento farto.

Gerada no ventre da desgraça
Morres em cada instante,
É toda uma vida que passa
Com dores e dor constante.

Terminaste uma vida sem cais
Com restos de amor bravio,
Agora já não te querem mais
Porque já não és um “navio”.

Esqueceram as muitas gerações
Que amamentaste sem surpresa,
Olvidaram as tuas sentidas orações
E os teus desamores sem natureza.

O mundo agora já não corres
Nessa tua velhice que avança,
Por isso em cada dia morres
Mulher que não foste criança.

Esqueceram toda a tua verdade
E a tua capacidade para lutar,
E é esta, repara, a humanidade
Que te quer voltar a julgar.

Foste (eu sei) heroína na guerra,
Na paz, no amor e na história,
Mas apodreces agora nessa terra
Depois de tanto amor e glória
.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Deixa que deixem e vem

Porque estamos tão sós
Se algo muito terno nos invade?
Reconheçamos nessa voz
A clara presença da saudade.

É também, eu sei, o que dizes
Quando sonhas, e sonhas comigo.
Cria então com garra as raízes
Da árvore que será o nosso abrigo.

Aprendamos a ser reverentes
Ultrapassando toda esta dor,
Lançaremos assim as sementes
Desse invisível e único amor.

Deixa essa triste fronteira
Da dúvida e da hesitação,
Vem porque és a primeira
A ter a alma no meu coração.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Duas frases que dizem tudo…

«As mães, desidratadas, não conseguem alimentar os filhos. As crianças são verdadeiras migalhas humanas, deitadas na poeira como se fossem nascidas de um mundo de terror.»

Apontamento retirado do livro "Sou Jornalista, você é árabe?" de Ana Paula Castro, cujo lançamento será em Lisboa, Livraria FNAC, ao Chiado, dia 3 de Julho, às 18,15 horas, com apresentação do Sheikh Munir (autor do Prefácio) e de Eugénio Almeida e Orlando Castro.

Pesadelo do sangue que corre

Entre metralhas o teu corpo caiu
Cheio de sangue naquele terreno,
A morte chegou e não partiu
O horizonte ficou apenas sereno.

Ao longe era vermelho o luar
Que a guerra de dor adensava,
Falei então do verbo amar
Mas entre todos ninguém ligava.

O sangue esse continuava a correr
Banhando o nossa pouca esperança.
Não, nunca conseguirei esquecer
A tua dor minha doce criança.

Até a pobre esperança me fugia
Vagueando nos caminhos da morte,
Agarrei a saudade e a tua poesia
E fugi para este pobre mas meu forte.

E o forte é um coração com vida
Que sabe perdoar mas não esquecer,
Para que a razão seja conseguida
Há que saber lembrar para viver.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Verdade, razão, justiça

A verdade nunca se esconde
Porque só ela é sagrada,
Se te perguntarem responde
Que só a justiça te agrada.

E pela verdade sempre lutarás
Até à última gota de esperança.
Acredita, irmão, então vencerás
Porque a razão nunca cansa.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Na tua e nossa cela

Na tua cela nojenta
A liamba era o teu amor,
Só assim se aguenta
A vida com menos dor.

A prisão castrou-te o canto
E esterilizou-te a poesia,
Tudo o que era encanto
Morreu naquele dia.

No dia em que lutaste
Contra essa odiosa guerra,
Foi esse o ideal que amaste
Foi o amor à tua terra.

Não morrerás nessa prisão
Que tanto te enluta,
Na razão da nossa razão
Venceremos mais essa luta.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Vozes alares

Correm vozes alares
Nos córregos do ventre
Do vento,
Sem vozes alares
Do ventre.
Aberto aos córregos
Que do vento
Trazem vozes do ventre
Alar.

sábado, 7 de junho de 2008

Em honra dos retornados

A casa, o sonho, a realidade
Lá ficaram perdidos, lá no Norte,
No norte de cristais celestes,
Foi-se a vida, foi-se a herdade,
Veio o fogo, a tortura, a morte,
A morte de garras agrestes.

O bago vermelho e triste do café
É um cristal na noite em borrão,
Em borrão, em borrão do hilota,
Tudo são saudades do que foi fé
E da vida que não foi sequer oração,
Oração morta pela guerra que brota.

As dores com sangue foram escritas
Terminando no cais do sofrimento
Onde nem o pensamento era reflectido,
Agora nem no teu Deus acreditas,
Ele deu-te a morte a cada momento,
Momento sempre de dor vivido.

Viveram e lutaram encorajados
Numa fé sempre espalhada ao vento,
E numa história que já não resiste,
Hoje são chamados de retornados
Que deixaram a alma ao relento
Numa terra onde a honra não existe.

Nem os poetas vos querem cantar
Nesta onda de franco oportunismo
Que dejecta na vossa bandeira,
Mas a justiça há-de chegar
Então com um novo heroísmo,
O heroísmo da verdade derradeira
.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Angola de outros tempos (espero)

Filhos doentes
Sem braços
Chorando,
Mães descrentes
Sem passos
Orando

Ardiam sanzalas
Aioé, aioé
Senhor,
Corria nas valas
O sangue da fé
E a dor da dor

Filhos sem pais
Mães sem filhas,
Guerra,
Aves sem cais
Barcos sem quilhas
A terra.
A minha terra…

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Vicuza Angola sonho

A criança negra recusa
Pétalas celestes de amanhã
Numa terra hoje queimada,
É o sentimento de Vicuza
No pólen da acácia clarivã
Na morte solenemente alada.

Huambo, Huila, Benguela,
Mapa acéfalo de recortes,
Sonho de pitangas agrestes;
Amorfismo desta minha cela,
Gradeamento de tantas mortes
Sem beijos, cruz ou vestes.

Tulemba, espírito reinante,
Irmão ganguela do passado,
Passado mortífero que assola;
Jamais mulher negra amante
Sentirás o espírito bom e amado
Do avoengo Ginga ou Txissola.

Quimera de Upuango
Venceu o kissange do Andulo,
Na negridão da noite Luena;
Nosso rio Cubango
Vai vermelho, vermelho nulo
Nulo com esta gangrena.

terça-feira, 3 de junho de 2008

«Morte na Picada» - Ler e recordar Angola

No próximo Sábado, dia 7, entre as 18:30 e as 19:30, Henrique Antunes Ferreira estará na Feira do Livro de Lisboa para uma sessão de autógrafos e conversa. Porque vale a pena, visite o pavilhão das pequenas editoras (do lado direito de quem sobe, quase no topo da Feira, pouco acima do Pavilhão Carlos Lopes).

Meu velho


São velhos os teus olhos,
Carcomidos os teus sentidos,
Triste o teu sorriso;
A vida foram abrolhos
Que deixaram espinhos perdidos
No ventre do teu juízo

Quando ris não sei se choras,
Quando choras não sei se lamentas,
Quando lamentas não sei se pagas;
Sei apenas que moras
Nesse córrego de tormentas,
Crivado de ódios e chagas.

Chamaram à tua sepultura
O reproduzir e viver,
Sonhando com alguém;
Não te disseram que essa tortura
É o ventre do morrer,
O sangue de matar alguém.

Nunca te disseram, meu velho,
Que quem não vive para servir
Não serve para viver;
Por isso estás nesse quelho
Olhando o sol que vai cair
E a noite que vai sobreviver.

Serviste para viver
Mas não viveste para servir
Os irmãos da nossa terra inglória;
Por isso sentes que vais morrer
Amaldiçoado pelo tinir
Da campainha da história.

Dos fracos ela não fala,
Toda a sua textura é ávida
De dádivas de heroísmo;
Nada a cala
Quando se sente grávida
De traições e fanatismos.

Mataste irmãos de sangue,
Ludibriaste homossexuais
E tuas filhas foram prostitutas,
A tua vida é exangue
Sarcástico desejo de animais,
Podridão de uma vida de lutas.

Se pagasses quando lamentas,
Se chorasses quando ris,
E não risses nunca mais:
Então o perdão que amamentas
Ser-te-ia dado pelo supremo juiz
Deste mundo de animais.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Mensagem de uma anduva

Faz do teu coração
O poleiro para a anduva
Africana.
Ela traz uma mensagem
Que diz:
- Morrem crianças.
Já não existem poetas no mundo?

Quinta-feira na Feira do Livro do Porto

A convite da Papiro Editora estarei presente numa sessão de autógrafos na Feira do Livro do Porto, certame que decorre até ao dia 10 de Junho, no Palácio de Cristal, no Porto. O “Alto Hama” terá a sua vez no dia dedicado a “Falar África”, ou seja 5 de Junho, pelas 21 horas. Estarão igualmente presentes, Fernando Cunha Araújo: “Chocolate Não Amargo”; Isabel Pires de Carvalho: “Manteiga de Cacau”; Rodrigues Miguel: “Quissonde; Vera Ribeiro: “Pedra Dura”; Marta Santos: “Gita”; Liana Tinôco Ferreira: “Vivências”; João Carlos: “As hienas também choram” e José Alberto Silva: “Começar pelo Intervalo”.

domingo, 1 de junho de 2008

O teu (papa)gaio

Vinha longe, ainda muito distante
Quando te vi com ar muito tristonho
Contemplando absorvido o céu,
Separavam-nos o vento gritante
No regaço embalando um sonho
Que nos cobria com o seu véu.

Pensei que estavas numa oração
Pois estavas totalmente absorto
Olhando uma prece de esperança,
Pensei que pedisses talvez perdão
Ao Deus que te seria conforto
Por alguma irreverência de criança.

Fui-me aproximando lentamente
Como gatito matreiro e lento
Até espontaneamente de tocar,
A tua dor estava mesmo na semente
Dessas puras lágrimas de talento
Que do teu rosto estavam a brotar.

Mas a tua oração era diferente
Qual onda frenética e convulsa
Nascida de uma dor tão sincera,
Choravas triste e descrente
Numa nobre reacção de repulsa
Pela injustiça que te dera.

Foi então que para o horizonte olhei
Na procura de uma qualquer piedade
Que justificasse a tua dor de desmaio,
Olhei e com mágoa então reparei:
Lá em cima no fio de electricidade
Estava pendurado o teu (papa)
gaio.

Livro terra


Reviver sonhos que já lá vão
num livro talvez esquecido
e adormecido na alma em poeira,
não é, creio, fácil a oração
para um poeta dolente e perdido
num mundo sem eira nem beira.

Deixem-no lá estar sonhando
perdido nos feitos sem glória,
nas esperança fantasiosas,
reviver na ternura e orando
um amanhã talvez com vitórias
sem armas, apenas com rosas.

Fechado tinha aspecto triste,
sorrindo com ar vagabundo
requebrado com ar indiferente,
um dia perguntei-lhe: Não viste
essa coisa que se chama mundo
parar abrupto, de repente?

- Não ligues triste companheiro
a esse pormenor rudimentar,
que parece puramente casual,
se parou foi talvez por roteiro
ou, quem sabe, para descansar,
não foi com certeza por mal.

- Repara meu querido amigo
na porca vida que nos rodeia,
podre, louca e degradada;
toda a gente repara no inimigo
que em cada um de nós vagueia,
e não viram a terra parada.

- Portanto não é vital com certeza
esse facto que tanto te alertou
e até te fez pensar e repensar,
repara antes na eterna beleza
que com isso ela nos despertou:
vamos oleá-la para voltar a andar.

sábado, 31 de maio de 2008

Saudade de dor gemida

Viver é saudade nascida
no pólen de flores selvagens,
flores selvagens de amor e alma.
Lá te encontrei perdida
bordada a sangue de imagens,
sangue de imagens, sangue de vivalma.

Eras saudade luminescente
acácia poeira de pó rosa,
pó rosa de divinal sexo.
Lá te encontrei inconsciente
florescendo no pólen da tua prosa,
da tua prosa sem nexo.

Prantavas o infinito agreste
nas desérticas anharas de pó carnal,
do pó carnal da morta vida.
Lá te encontrei sugando preste
o sexo da saudade animal,
saudade animal de dor gemida.

Este país (Portugal)

Não deites fora a pedra
que tens no calcanhar
do teu coração,
ela dar-te-á força
para mijares no ventre
desta nação
.

Menino pobre


Serão sempre os caminhos
que a vida nos dá,
sem ódios nem rancores;
São diferentes os ninhos
a enxada e a pá,
mas iguais os amores.

Eu sapatos lindos calço
alheio ao caminho feio
e ao sofrimento diário;
Tu triste e descalço
à custa do conforto alheio
que é o teu calvário.

Lá vens alegre sorrindo
com teu poema de criança
esculpido no teu olhar,
Tu vens, eu vou indo
sem destino nem esperança
e à espera do que chegar.

- Bom dia senhor.
Dizes-me olhando o horizonte,
alegre no teu querer;
Não. Não sou o teu senhor
nem sequer a fonte
do teu viver.

Tu andas descalço e imundo,
sorrindo mas sofrendo
os crimes do presente;
És a vítima deste mundo
onde se vive mas se vai morrendo,
que é ser mas não é gente.

Tu dormes no chão
e não sabes das tuas irmãs
que te dizem servir na cidade;
queres comer mas não tens pão,
queres, talvez, viver sem amanhãs
nesta vida que não deixa saudade.

Mas descansa
que a vida ainda terá calor
e tu virás a ser feliz,
na vida também se alcança
a justiça que será amor,
e a paz que será juiz.

E não penses nunca em mim
que mereço apenas morrer
carcomido pela mesquinha dor;
Olha com amor o teu jardim,
vê aquela flor que vai nascer
e não me chames senhor.

Tito - o construtor de Toyotas

lá vão trinta e tal anos. As chamadas Águas Quentes do Alto Hama, em Angola, uma espécie rudimentar mas pura de termas, eram um dos locais habituais onde, por o horizonte saber a infinito, eu passava os fins de semana e, nos derradeiros tempos, as semanas do fim. Das pessoas que frequentavam o local pouco recordo, para além de alguns amigos sonhadores que, no meio de umas churrascadas e de umas tantas grades de cucas, davam largas à imaginação.

No entanto, um morador nas redondezas é para mim sinónimo daque local. Não existem Águas Quentes sem ele e, certamente para mim, sem ele aquele local nunca seria o mesmo. Era o Tito.

Um puto albino que estava sempre lá, calmo e sereno como antevendo que não valia a pena chatices. Sorria, falava pouco mas tinha um olhar tão vago e penetrante como o pôr do sol. Junto ao asfalto da estrada para Luanda, o Tito montava o seu negócio.

Com carolos de milho, cápsulas de cerveja e uns pedaços de arame, construía os automóveis que vendia a todos quantos amassem verdadeiras obras primas do artesanato. Apesar de serem diversos os modelos, uns mais desportivos outros mais de serviço, o Tito só fabricava uma marca: Toyota.

Nenhuma outra conseguiu cativar o Tito, aquele puto albino de olhar tão vago e penetrante como o pôr do sol. Comprei-lhe vários modelos e, não fora o canibalismo daqueles que nunca tiveram a honra de conhecer o Tito, ainda hoje os poderia ter.

Penso que esses Toyotas do Tito estarão algures no fundo mar junto a Moçamedes, local onde foram guardados para a eternidade os caixotes daqueles cujo único erro que cometeram foi amarem Angola.

No entanto, como hoje aqui comprovo, o Tito, aquele puto albino de olhar tão vago e penetrante como o pôr do sol, deixou no meu coração um dos seus últimos Toyotas.

Obrigado Tito.

Os (meus) meninos do Huambo


Com fios feitos de lágrimas de dor
Os meus meninos do Huambo choram
Ainda marcados pelo muito horror
da miséria e da fome onde moram

Com os lábios de muito dizer aiué
Soletram pensamentos de esperança
Como quem se alimenta de tanta fé
Inebriada pelos sorrisos de criança

Os meus meninos à volta da fogueira
Já aprenderam que dizer a verdade
Será talvez mais uma bonita bandeira
mas que o melhor é não falar de saudade

Com os sorrisos mais lindos do planalto
- Essa é uma certeza para a eternidade
Fazem contas engraçadas de sobressalto
E subtraem a fome a sonhos de igualdade

Dividem a chuva miudinha pelo milho
Como se isso fosse o seu eterno destino
Saltam ao céu toda a dor feita andarilho
No seu estilhaçado mundo peregrino

Os meus meninos à volta da fogueira
Não vão aprender novas palavras
Porque a dor da miséria é cegueira
Que alimenta todos os dias as lavras

Assim descontentes à voltinha da poesia
Juntam palavras do tempo que passa
Para ver se alimentam a barriga vazia
E se descobrem o fim de tanta desgraça.

A razão de ser ontem, hoje e amanhã

O Governo da província do Huambo perspectiva, para este ano, a edificação, de raiz, de uma infra-estrutura para albergar a Casa da Cultura, tendo em atenção o desenvolvimento e valorização dos agentes culturais desta parcela do país.

A ideia foi anunciada à Angop pelo director provincial da Cultura, Pedro Tcissanga, que diz tratar-se de uma infra-estrutura que vai acolher, entre outras, uma sala de espectáculos, biblioteca e outros espaços de lazer e diversão para a juventude e criadores locais.“

É uma mais valia para os artistas, em particular, e para a juventude, em geral, que vão ter à disposição diversos espaços para a execução das suas actividades culturais. O governo pretende, com este projecto, procurar valorizar mais o trabalho dos criadores locais, dando-lhes condições para que possam executar as suas tarefas sem muitas dificuldades”, disse Pedro Tcissanga .

A construção desta infra-estrutura, segundo adiantou a fonte, tem muito a ver com a pretensão de se resolver, em parte, a questão da falta de salas adequadas para a realização de espectáculos musicais, teatro e de outras modalidades de sala, que de um tempo a esta parte debatem-se com problemas de falta de espaços.

Avaliado em três milhões e 500 mil dólares, o projecto a ser executado por uma construtora chinesa poderá ficar concluído em Setembro do ano em curso caso as obras comecem dentro do tempo previsto, ou seja este mês.

A fonte avançou que, nesta altura, foi já realizado o estudo de viabilização, esperando apenas que se resolvam as questões burocráticas para que o projecto avança sem mais delongas e para o bem da cultura do Huambo.É uma boa notícia. A cultura está ser valorizada na minha cidade.

Noutros tempos também o foi. Mas esses já lá vão. Alguém se recorda, por exemplo, do Artoliterama – Grupo Juvenil de Artes e Letras do Huambo, nascido no liceu (foto) da cidade?

Se calhar não. Esses jovens dos idos de 1975 são hoje uns kotas rezingões espalhados pelos desertos da saudade e que sobrevivem à custa dos oásis da memória.

Memória que hoje, com versos e prosas, regressa às origens.