segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Quando eu regressar

Por: José Filipe Rodrigues


Sabes, meu amigo,

faltou-me sempre o tempo para regressar

e se muitas vez voltei ao mesmo lugar

não foi para matar saudades,

levou-me a vontade de aprender histórias de futuro

para poder contar

a todas as pessoas boas,

as que entendem as nossas linguagens

em diferentes paragens.

Houve um dia

em que ouvi a Júlia,

a minha Mãe Negra, a chorar

porque os meninos iam para o Puto

para não regressar.

Nas suas lágrima vi luto.

Hoje digo-lhe, sem mentir,

que estou a residir

em todos os lugares de todos os continentes

onde vivem pessoas decentes e inteligentes,

incapazes de serem subservientes,

enojadas pela proliferação de trintadinheiros

instalados em dourados poleiros.

Também me lembro

quando, na Emissora Oficial de Angola,

nos tempos de antena dos diferentes partidos,

pediam ao meu pai para ficar,

porque tratou sempre  os “pretos” com dignidade

e porque ele era necessário para o desenvolvimento dessa terra.

Senti um misto de melancolia, de orgulho e de felicidade.

Eu não sabia que eles mentiam,

estavam a preparar-se para uma outra guerra,

entre irmãos,

com uma ambição indecente,

como se em Angola não houvesse lugar para toda a gente.

O meu pai ensinou-me comportamentos e gestos

onde não havia discriminações

entre “brancos, amarelos, encarnados ou pretos”,

nem as pessoas eram catalogadas por regiões.

O meu pai acreditava só nas pessoas coerentes,

capazes de olhar olhos nos olhos,

e ensinou-me a desvalorizar gente

incapaz de olhar de frente

ou com muitos trejeitos, a falar e a  gesticular,

só para tentar disfarçar

a impossibilidade de ser decente.

É esse o principal motivo

porque eu tenho a vocação para ser mestiço

e a ambição de habitar o infinito,

onde todas as pessoas têm deveres e direitos iguais,

e são autênticas, simples, normais.

A vida ensinou-me as definições de simplicidade,

de justiça, sinceridade

e, sobretudo, de lealdade e liberdade

para os diálogos próximos e distantes

que desaguam em simpatias, empatias ou antipatias

autênticas, dinâmicas, construtivas.

Até nas minhas situações depressivas

foi sempre a alegria

quem alumiou e guiou o meu dia-a-dia.

Os que tentaram matar-me,

com um comportamento obsceno,

já morreram todos,

vítimas do seu próprio veneno.

Eu  gostei sempre de povoar a minha harmonia

e os meus desejos e esperanças

de paisagens com muitas flores e crianças,

que desafiam a minha imaginação

e proporcionam-me o dom da levitação

e a capacidade de voar, alto, distante,

com a minha gente.

Um dia,

quando eu voltar,

desejo que me leves a ver o mar

que aproxima as pessoas

e faz as crianças a sorrir,

com todas traquinices próprias da infância.

Não me leves ao Cemitério da Vingança

para ver as campas do ódio e da ganância,

da injustiça, do nepotismo e da prepotência

porque, para isso,  falta-me o tempo e a paciência.

Quando eu voltar, fala-me da tua felicidade

de viveres finalmente em liberdade,

depois de terem sido destronados

os trintadinheiros, os mascarados

em donos de todos os impérios e ciências,

os que pretendem impor os seus ideais e vontades

em todas as consciências.

Depois regressarei à minha viagem

que só terá fim

quando não tiverem valor as memórias

das mais perfeitas vitórias

que guardo dentro de mim,

porque o altruísmo, a harmonia,

a solidariedade, a alegria,

a liberdade e a fraternidade

perderam o estatuto de raridade.